Um dos empreendedores brasileiros que admiro é o meu amigo Reinaldo Normand. Atualmente morando em San Francisco, ele tem muita história pra contar sobre vários empreendimentos em que esteve envolvido. De cada história ele tira inúmeros ensinamentos e experiências.

Há alguns anos ele escreveu esse livro e publicou de graça na internet para ajudar empreendedores brasileiros a entenderem o Vale. É um dos textos mais úteis, práticos e fáceis de ler para entender o famoso Vale. Ele me deu a honra de poder escrever esse anexo contanto um pouco da nossa história. Fica aqui o registro pra quem quiser conferir.

reinaldo_livro_final

 

“Case Movile / Playkids”, por Eduardo Lins Henrique

I n t r o d u ç ã o

A Movile é a maior empresa de plataformas móveis da América Latina. Sou co-fundador e responsável pelas operações da empresa nos Estados Unidos. Em 2006 fundei uma pequena empresa de mobile marketing que foi adquirida pela Compera nTime, na época rescém investida do grupo Naspers. Ao invés de receber o valor em dinheiro, decidir pegar tudo em ações da empresa, e me juntei ao grupo de empreendedores que começaram essa empresa.

Desenvolvemos aplicativos que levam conteúdo a todos os

dispositivos móveis, desde celulares mais simples até smartphones e

tablets. Hoje (em 2016), mais de 70 milhões de pessoas usam nossos produtos.

Crescemos a uma taxa de 70% ao ano desde o começo da década.

Devido ao grande sucesso e expansão da Movile na América Latina,

começamos a analisar, em 2010, os caminhos que nos levariam a ter

uma atuação global. Durante essas conversas, o Vale do Silício surgiu

naturalmente. Ninguém tinha dúvida de que, se quiséssemos atuar

globalmente, teríamos de conhecer o modus operandi da região mais

inovadora do mundo e aprender com os melhores.

 

Fui enviado ao Vale do Silício em 2011, com a incumbência de desenvolver

produtos para o mercado americano. Quando cheguei aqui, achava que

a missão era quase impossível, pois não conhecia praticamente nada

sobre o Vale e não tinha a menor ideia do que poderia dar certo em

um mercado tão competitivo. Sabia apenas que era o lugar onde se

constroem as maiores empresas de tecnologia do mundo, e isso, de

alguma forma, nos ajudaria a expandir globalmente.

Trabalhei praticamente toda a minha vida no mercado mobile e nos

últimos dez anos pude acompanhar as enormes mudanças de paradigma

ocorridas no segmento. Até 2011, a Movile distribuía conteúdo para

celulares simples, usando tecnologias como o SMS (torpedos), MMS,

streaming e podcasts.

Nossa nova estratégia, fruto de mudanças do mercado, voltou-se para o

desenvolvimento de aplicativos para smartphones e tablets. O desafio, do

ponto de vista de negócios, produtos e inovação, é enorme. A velocidade

com que as mudanças acontecem é assustadora e, acreditávamos, o Vale

do Silício nos nivelaria por cima.

Entretanto, o aprendizado não foi instantâneo nem fácil. Assim como

acontece com a maioria das empresas que desembarca nessa região,

demoramos quase dois anos para entender algumas das premissas

básicas para se lançar produtos de sucesso global. Abaixo, listo nossos

erros e lições aprendidas nesse processo.

L i ç ã o 1

Para começar, quero compartilhar a grande lição que aprendi nesses

dois anos: o Vale do Silício não é para amadores. É claro que qualquer

um pode vir para cá aprender, estudar e se inspirar. Porém, se você

deseja expandir ou começar um negócio global, venha preparado, tenha

muita paciência e pense grande.

Fazendo uma analogia com o futebol, o Vale do Silício é a Champions

League da tecnologia. Ou seja, mesmo que sua empresa tenha ganhado o

campeonato local, não significa que ela está em condições de enfrentar

os melhores times do mundo.

“O Vale do Silício não é para amadores.”

L i ç ã o 2

Antes de desembarcar no Vale, cometemos um erro primário: contratamos

uma consultora para nos ajudar a entender a região. Depois de gastar

uma boa grana, não obtivemos resultados ou mesmo aprendizado.

Estávamos muito distantes da realidade e não compreendíamos a

cultura local, o que dificultava a orientação e gestão dos trabalhos que

a consultora desenvolvia.

Com o erro acima, aprendemos outra grande lição: para entender o

Vale, é preciso vivê-lo, literalmente, começando com atividades simples

como conversar com pessoas, passear de bicicleta, assistir a palestras

em Stanford, tomar café na University Avenue, participar de eventos

etc. Só assim você entenderá melhor como as pessoas pensam e fazem

negócios por aqui.

L i ç ã o 3

Ainda em 2011, antes de me mudar definitivamente, desembarquei em

São Francisco com um desenvolvedor talentoso, mas muito jovem,

que apelidei de “juva”. Participávamos do primeiro evento para

desenvolvedores mobile promovido pelo Facebook. Foi nesse evento

que vi Mark Zuckerberg pela primeira vez. Lembro-me que achei estranho

um executivo tão importante estar presente em um evento com apenas

trinta desenvolvedores.

Mais tarde, fui entender que as pessoas no Vale são bastante acessíveis,

desde que você seja objetivo, gere valor para o outro lado e cumpra o

que promete.

L i ç ã o 4

Nesse evento do Facebook, participei pela primeira vez de um hackathon,

competição na qual produtos são desenvolvidos em apenas um dia! Junto

com o “juva”, decidimos criar o ZeeweTV, um aplicativo que funcionava

integrado ao Facebook e que notificava seus amigos quando você assistia

a um vídeo.

Vencemos a competição batendo gigantes como eBay, Eventbrite,

TripAdvisor e até grandes desenvolvedores de jogos. Naquele momento,

aprendi que tínhamos condição de brigar com os melhores do mundo.

Vencemos por 1 a 0 um jogo amistoso contra os melhores do mundo.

Agora, precisávamos entender melhor como realmente jogar na

Champions League.

L i ç ã o 5

Depois dessa vitória, a Movile me enviou para o Vale e, em fevereiro de

2012, instalei-me em Mountain View com minha família. Logo começamos

a trabalhar e lançamos no mercado americano a primeira App Store do

mundo em HTML5: a Zeewe.

Cobrávamos uma assinatura mensal com a qual o usuário poderia acessar

todos os aplicativos da loja, em sua maioria jogos simples e conhecidos

do público. Era um modelo que dava certo em países emergentes e em

muitas operadoras no Brasil. Achamos, ingenuamente, que, migrando esse

modelo bem-sucedido para cá, o resultado viria naturalmente. Estávamos

redondamente enganados e o projeto foi um fracasso absoluto.

Descobrimos que os aplicativos lançados na Zeewe também estavam

disponíveis gratuitamente em outras lojas e, ainda por cima, que possuíam

qualidade muito superior. Aprendemos a dar valor à concorrência e

entender que, para sermos bem-sucedidos no competitivo mercado

americano, nossa proposta de valor precisava ser superior à de outras

empresas; e não era esse o caso.

 

L i ç ã o 6

Depois de matar nossa App Store, decidimos retomar o projeto que

criamos no evento do Facebook. Lançamos um portal que importava

vídeos do Youtube e os integrava ao Facebook, de modo que você podia

compartilhá-los com os amigos. Era um produto supersimples e intuitivo.

Íamos muito bem, até que, de repente, o Facebook atualizou a política

de notificações e inviabilizou nosso produto.

Entendemos, da pior maneira possível, como as regras no mundo digital

mudam rapidamente e o perigo de atrelar seu negócio a apenas uma

plataforma de distribuição. Ainda assim, insistimos um pouco tentando

focar o projeto no público latino nos Estados Unidos, mas acabamos por

abandoná-lo mais uma vez.

Em cada uma dessas tentativas, eu sempre buscava conselhos, opiniões

e críticas de pessoas que eu respeitava aqui no Vale, como o próprio

Reinaldo, e aprendia com cada conversa. É incrível a quantidade de

ensinamentos que você absorve quando passa a ouvir conselhos de

pessoas em quem confia. A colaboração é parte essencial da cultura do

Vale do Silício e nos ajudou muito em nossos próximos passos.

L i ç ã o 7

Após a experiência malsucedida com o portal de vídeo, não desanimamos.

Contratamos um designer da Apple e, inspirados no Instagram, criamos

um aplicativo pelo qual o usuário poderia customizar suas fotos com

molduras. Apesar de o aplicativo ter sido o mais bem-sucedido até então,

pouca gente continuava o utilizando depois de um mês.

Investimos pesado em marketing para promover o aplicativo e

cometemos muitos erros, como acreditar que o gasto em publicidade

geraria engajamento dos usuários. Assim como muitos desenvolvedores

mundo afora, tínhamos a ilusão de que figurar entre os aplicativos mais

baixados da App Store resolveria todos os nossos problemas. Doce

ilusão. Descobrimos a importância do engajamento espontâneo para o

sucesso de qualquer aplicativo. Aprendemos, em suma, o que não fazer.

L i ç ã o 8

Depois do aplicativo de fotos, atiramos para todos os lados e lançamos

dezenas de aplicativos em diversas categorias, como música, wifi e jogos,

e nada aconteceu, a ponto de a empresa questionar a necessidade da

minha presença nos Estados Unidos e a capacidade de transformarmos

nosso negócio.

Mas desistir não estava nos planos. Com os erros, veio o aprendizado,

e passamos a gastar dez vezes menos tempo para lançar cada projeto.

Seguimos o mantra de Reid Hoffman, fundador do Linkedin: “Se você

não tiver vergonha da primeira versão do seu produto é porque lançou-o

tarde demais”.

Resolvemos, então, desenvolver, em apenas uma semana, um aplicativo de vídeos (com desenhos animados) focado em crianças. Nascia o PlayKids. Morri de vergonha, pois o aplicativo era horrível, os desenhos eram ruins e decidimos cobrar U$ 9,99 por uma assinatura mensal. Para nossa surpresa, usuários começaram a pagar e a nos dar boas notas, dizendo que as crianças adoravam ver os desenhos nos celulares e tablets. Ficamos surpreendidos ao ver como uma pequena mudança de mentalidade e agilidade economizou tanto tempo e dinheiro, aproximando-nos, finalmente, do sucesso almejado. A receita era simples, quase simplória: antes de lançar qualquer produto e investir maciçamente em marketing, teste o conceito com o consumidor e use o feedback para melhorar o produto.

L i ç ã o 9

Entusiasmados com os resultados iniciais, resolvemos focar no Brasil. Em

três meses, o PlayKids já era líder nas categorias “Crianças” e “Educação”

da App Store brasileira. Decidimos, então, lançar o aplicativo no cobiçado

mercado americano, onde a competição e o nível de exigência dos

consumidores eram maiores.

Durante seis meses, o projeto foi um fiasco nos EUA, enquanto crescia

no Brasil. Depois de ouvir muita gente e fazer centenas de testes A/B

para entender a cabeça dos usuários, finalmente decolamos quando

licenciamos conteúdo relevante para o público americano. Descobrimos

que não bastava apenas traduzir o aplicativo.

As falhas dos projetos anteriores, principalmente nos investimentos em

marketing, foram vitais para o sucesso do PlayKids. Passamos a pagar mais

caro por cada download, mas tínhamos certeza de que os usuários eram

muito segmentados e totalmente alinhados com o produto. Passamos

a trabalhar para entender, atingir e conquistar nossos usuários, e não

simplesmente para ter um aplicativo no topo dos rankings.

L i ç ã o 1 0

Quando chegamos ao Top 5 no ranking da loja americana, conseguimos

provar para a empresa que poderíamos nos tornar líderes não só nos EUA,

mas também no resto do mundo. Pisamos no acelerador de vez e vimos

que no Vale do Silício poderíamos comandar a expansão global do produto

pensando como os grandes. Era hora de entrar em campo para ganhar!

Em 9 de maio de 2014, chegamos ao topo do ranking da categoria infantil

nos EUA. Ficamos brigando com concorrentes, até que, em 1º de agosto

de 2014, assumimos a liderança em definitivo e não saímos mais do topo.

Era a vitória na fase de grupos da Champions League.

Hoje, o PlayKids está em 26 países, disponível em cinco línguas. É

o aplicativo mais rentável do mundo nas categorias “Educação” e

“Crianças”, passando potências como Disney, Nickelodeon, Toca Boca

e outros concorrentes de peso. Agora o plano é competir, para termos

resultados superiores aos de empresas de games e música, que, hoje,

lideram os rankings globais da App Store.

A próxima companhia de U$ 1 b i l h ã o ?

O sucesso do PlayKids não veio de repente; foram inúmeras tentativas,

erros e melhorias que, no seu conjunto, fizeram o produto ser competitivo

mundialmente. Não há segredo, mas é importante ter humildade,

paciência, perseverança e ouvir sempre o consumidor. Nada acontecerá

se você não começar com um bom produto e que resolve um problema

das pessoas.

O PlayKids também está se tornando uma empresa própria, controlada

pela Movile. Inspirados pela cultura do Vale do Silício, iremos oferecer

opções de ações (stock options) e montar um time de elite no Vale para

conquistar o mundo, fazendo com que os principais talentos se tornem

donos da empresa. Fizemos menos de 1% do que pretendemos.

Acreditamos que essa nova empresa será líder no segmento, com produtos

e tecnologia amados pelos nossos usuários. Ainda não tenho a menor

ideia de como fazer para transformá-la em uma empresa de bilhões de

dólares. A única certeza é que aqui no Vale do Silício nós acharemos as

respostas e o caminho.

Créditos:

Projeto Gráfico

Spice Agency

Diagramação

Bonach Comunicação

Revisão

Fernanda Machtyngier

Apoio: Innovalab

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